VERBA VOLANT, SCRIPTA MANENT
Descrição do post.
Victor F. Campos
12/23/20253 min read


Na crônica inaugural citei que o “start” para a publicação das minhas crônicas teve como principal força motriz uma lauta conversa com um dileto amigo escritor. Pois bem, a tal conversa ocorreu no nosso bar de estimação, em uma dessas tardes preguiçosas que ás vezes toma Belém. O que não citei é que após o encontro com esse amigo, enderecei a ele uma crônica sintetizando o encontro, diferente da primeira, esta foi escrita com espantosa rapidez em um breve lampejo de criação que com certa candura considerei como inspiração. A referida crônica permaneceu guardada até hoje, mas agora compartilho-a com vocês, segue:
“Por isso fazia seu grão de poesia e achava bonita a palavra escrita, por isso sofria de melancolia sonhando o poeta que quem sabe um dia poderia ser”. Sempre gostei da portentosa e suave escrita de Vinicius de Moraes e por isso iniciei este breve texto com um trecho de sua música “poeta aprendiz”. Me identifiquei de cara com esta canção desde a primeira vez que a ouvi com onze anos de idade ao remexer os discos de minha avó. Assim como o poeta aprendiz da música de Vinicius eu também sempre achei bonita a palavra escrita. Denis Cavalcante pareceu pressentir isso naquela tarde quente de novembro.
Denis, o imortal, como é chamado pelos frequentadores do nosso refúgio situado a rua do horto adentrou o recinto com a sua sempre fiel tônica a mão, o bar estava lotado e quis o destino que o titular da cadeira de número quinze da Academia Paraense de Letras sentasse, pela vez primeira, ao meu lado. Eu que já estava na penúltima cerpinha (a última nunca se sabe quando será) resolvi espaçar mais os goles do liquido dourado para ter mais tempo de beber da fonte de sabedoria do escritor que me ladeava.
Denis pediu e a primeira dose de gin chegou sendo de pronto misturada com a tônica que parecia nunca diminuir o nível na garrafa, aliás, tônica é melhor que Sprite, foi logo a primeira lição que tomei. E assim foi inaugurada nossa prosa. Entre cerpinhas, gins tônica, spaghetti alle vongole e boas risadas, falamos sobre nossas rotinas em Salinas, o horário em que preferimos beber e o que gostamos de comer. Guardei a ótima indicação da unha de caranguejo e fiquei sabendo que Denis ainda pesca de arrasto em Salinas como fazia Rubens, personagem de uma de suas crônicas.
Papo lá, papo cá, o imortal me presenteou com seu livro de crônicas sem saber que livro é o meu presente ideal. Talvez eu não tenha expressado a contento a minha satisfação em receber tal regalo, mas espero que estas parcas linhas consigam traduzir minha gratidão pelo gesto e pelo papo.
O bar da rua do horto é pequeno, febril, barulhento, muito se fala pouco se ouve! Mas ainda nos parece um ótimo refúgio do lar e da rotina. Afinal Abel Silva já dizia que o bar é o descanso do lar, o nosso bar traduz perfeitamente este sentimento. Naquela tarde, apesar do barulho quase que costumeiro, eu muito ouvi. Ouvi histórias de família e de amor, contei algumas também é verdade. Trocamos receitas, rotinas e fotos de familiares. O escritor octogenário e o advogado cinquenta anos mais jovem conversaram como iguais em quase tudo, em perfeita harmonia.
Ao cabo da prosa, Denis se levantou e me elogiou para o amigo ao lado nas seguintes textuais: “Ele é um bom ouvinte!”, baita elogio! Mal sabia o poeta que poderia ouvi-lo pela tarde toda entre cerpinhas e crônicas. Fim de papo, o árbitro apitou, Denis se foi, ficou o livro, as crônicas narradas ao vivo em primeira pessoa e a prospera amizade. Não sou escritor, mas gosto de escrever, assim como gosto de futebol sem nunca ter sido um craque, isto posto, registro nestas singelas linhas a grande envergadura deste encontro.
Ah! E quanto ao livro, já está sendo devorado com o mesmo prazer em que serão as cerpinhas logo mais. A arte e a boemia sempre foram boas companheiras, o poeta aprendiz de Vinicius de Moraes já sabia disso, assim como espero que eu e Denis também sejamos! De leve Denis, de leve.