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O INVERNO DO MEU TEMPO

Descrição do post.

Victor F. Campos

12/30/20254 min read

Os primeiros raios de sol do último domingo de dois mil e vinte cinco começam a despontar e timidamente invadir as frestas das portas e das janelas, esses raios serão cada vez mais raros nessa época do ano na cidade das mangueiras. Levanto mais tarde do que o habitual, o celular já está cheio de mensagens, a casa está silenciosa, meu guri está na casa dos avós e o silêncio, que nas primeiras horas de sua breve ausência parecia ser confortante, agora já me causa incômodo. Pego meus esquissos registrados a mão durante a noite e sento diante da tela para tentar escrever algo que faça sentido, o corpo ainda sente os efeitos dos exageros (alcoólicos e gastronômicos) do natal. O natal sempre me pareceu uma época preguiçosa para executar qualquer tipo de tarefa, sempre tive a impressão de que até o planeta baixa um pouco sua rotação nesse período. E por falar em natal...

Minha família não brinca em serviço quando se trata de natal! Me permitam o clichê, mas natal sempre me remeteu a família. Não tenho nenhuma memória dessa época do ano que não esteja acompanhada de uma boa história familiar. Os preparativos da nossa ceia começam seis meses antes quando a comissão organizadora é formada, esse ano, tive o prazer de ser um dos membros, mas a verdade é que pouco ajudei, opinei aqui e acolá, não mereço os louros do absoluto sucesso que foi a festa.

A comissão resolveu meses antes alugar um salão que comportasse nossos quase cem participantes, sim, tenho uma família grande (e fértil) e qualquer evento nosso é um desafio, mesmo para as organizadoras experimentadas que são minhas tias e primas. Salão alugado, todo o resto decidiu-se facilmente. Cada participante restou livre para levar consigo a bebida que melhor lhe alvoroçasse e assim infindáveis caixas térmicas foram brotando pelo salão no correr da noite. Eu mesmo adentrei o salão carregando a minha, com as roupas ensopadas pela chuva que caia lá fora, ao me ver minha avó vaticinou “o inverno chegou mesmo meu filho”.

Um belo coral infantil composto pelos netos e primos desempenhou uma performance que animou e emocionou a todos os presentes. Comidas, decoração, dj... até dois pés de valsa foram contratados para ficar à disposição das damas (para o alívio de uns maridos e o ciúme de outros) nem mesmo a noite fria e a chuva insistente foram páreo para o espirito festivo por qual todos estavam tomados.

E como nem só de vinho se vive, haveria de ter o pão. Quando o relógio anunciou as badaladas da meia noite reunimo-nos todos para em um só tom solfejar a oração que o aniversariante do dia nos ensinou quando da sua passagem pelo nosso plano. Finda a oração, jantar servido! Já notaram o quanto são especiais as comidas natalinas? O bacalhau com batatas bem douradas foi de pronto disposto a mesa, um suculento peru acompanhado de arroz colorido repleto de legumes e até um filé ao molho madeira que apesar de parecer meio fora de contexto fez um baita sucesso entre os comensais, completaram a farta mesa. Mas sucesso mesmo fizeram as brincadeiras!

Confesso, quanto a essa parte da festa sou meio avesso, talvez isso tenha a ver com o meu espirito rabugento. Os amigos “secreto”, “da onça”, “invejoso“ e cia nunca me atraíram, mas na minha família participar não é opcional, é quase que um dever moral. Enquanto as brincadeiras decorriam, tomei meu copo e fui para uma das esquinas do salão observar o que ali acontecia e subitamente uma onda de nostalgia me inundou o juízo. Lembrei de como eram essas mesmas festas quando ao invés do meu filho quem corria e desviava das mesas e dos garçons era eu. De quando todas as crianças agora presentes ainda não estavam sequer no mais longe pensamento dos seus pais, de quando minha avó ainda corria atrás de mim e de meus primos e nos forçava a sentar para comer, de quando ainda havia a magia de acordar no dia seguinte e ver meu presente logo ali do meu lado em uma manhã invariavelmente chuvosa dessas de dezembro.

Pensei que muitos natais como esses ainda estão por vir e foi inquietante imaginar que com o tempo algumas daquelas pessoas não estarão mais ali, que aquelas crianças irão crescer, que alguns abraços não poderão mais ser dados e alguns choros não serão mais ouvidos, mas a família seguirá, o natal continuará ocorrendo à revelia de qualquer sentimento. Fiz uma breve oração em silêncio, agradeci pela bagunça generalizada que ocorria sob os meus olhos e pedi aos céus para ainda viver muitos momentos como aquele, na certeza de que um dia sentirei falta do caos que outrora incomodava, um breve aperto no peito quase me roubou a alegria da noite.

Os gregos definiam nostalgia como a dor de uma velha ferida, algo mais poderoso que qualquer memória, como um sentimento inapelável do qual não se pode esquivar-se. Às favas os gregos! Mandei esse sentimento para bem longe, me rendi as brincadeiras, abracei e beijei meus familiares, dancei de rosto colado com meu filho e me diverti como há muito não me divertia. Lá fora a chuva insistente continuou a cair, minha avó estava certa, o inverno havia chegado. Mas não naquela noite.